Diario de Cáceres | Compromisso com a informação
'Expedição Mato Grosso 1931' mostra a chegada de Daveron a Cáceres
Por Diário de Cáceres/Clarice Navarro
21/10/2014 - 23:18

Foto: arquivo NUDHEO

Colóquio Internacional "Matto Grosso Expedition (1931)"‏


O evento "Expedição Mato Grosso 1931" é uma iniciativa do PIBID/História e NUDHEO-Núcleo de Documentação Escrita e Oral da Universidade do Estado de Mato Grosso-Unemat. Será realizado no próximo dia 28, nos períodos matutino e noturno, no prédio da Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Turismo (Sematur). O objetivo, afirmam os organizadores, é discutir, divulgar conhecimentos e fomentar pesquisas e produções acerca das iniciativas expedicionárias norte-americanas na fronteira Oeste de Mato Grosso. 

Na organização estão o professor mestre Acir Fonseca Montechi (PIBID/História) e o professor mestre e profissional técnico Reinaldo Norberto da Silva (NUDHEO). O evento tem como conferencista convidado Professor Ph.D Eric H. Robson, da Belmont University Scool of Farmacy, de Nashville-TN/USA.
A história começa em 09 de janeiro de 1931, quando o jornal carioca Correio da Manhã trazia como manchete: "A vida selvagem brasileira vai ser filmada".
Desembarcava no Rio de Janeiro a "Matto Grosso Expedition", que tinha como destino o Pantanal. O aventureiro  Vladimir Perfilieff comandava a expedição, que tinha duplo objetivo: o científico, que visava coletar espécimes da fauna e da flora e documentar a vida dos povos indígenas; e o comercial:produzir um filme sobre a vida nas selvas brasileiras.
Na bagagem, equipamentos de rádio de última geração, que permitiam aos exploradores manter contato com a estação KDKA, em Pittisburgh,EUA. A expedição trazia também um equipamento ainda em fase de teste, que gravava áudio e vídeo ao mesmo tempo.
A Fazenda Descalvado, em Cáceres-MT, foi a base da expedição. O local tinha os requisitos necessários para a equipe. No filme, o aventureiro Sasha Siemel, armado apenas de uma zagaia e valendo-se da técnica utilizada pelos índios Guató, mata o famoso "jaguar pantaneiro", a onça.
O filme recebeu o nome  de "Matto Grosso, the Great Brazilian Wilderness"- Mato Grosso, a grande floresta do Brasil, e provavelmente tornou-se o primeiro documentário com gravação de som em campo.
Na programação do evento, na parte da manhã, a partir das 8 horas, estão as conferências "Descalvados na histografia de Mato Grosso", com o professor doutor Domingos Sávio da Cunha Garcia, da Unemat, e "Por que Descalvados? Expedições no Mato Grosso entre as guerras", com o professor PH.D Eric Robson.
No período noturno, das 19:30 às 23 horas, será exibido o filme "Matto Grosso, the Great Brazilian Wilderness(1931)", e apresentado "Aspectos biográficos de Solon Alexander Daveron", de David Randle.
E a partir dai, neste ponto, a história permanece em Cáceres: foi esta expedição que trouxe aqui, pela primeira vez, o americano Solon Alexander Daveron, que depois de algumas idas e vindas aqui se estabeleceu, construiu e habitou, até morrer, o prédio onde hoje está a SEMATUR (a área foi adquirida pelo município na administração de Aloísio de Barros). Daveron, que empresta seu nome à Praia do Daveron, era pesquisador. Morreu aqui e seu corpo está sepultado na área da Sematur.
A evento tem a participação da Prefeitura de Cáceres e o apoio do IFMT/Cáceres e da Asatec.

SAIBA MAIS:
 

Por que Descalvados? Expedições no Mato Grosso entre as guerras

Eric H. Hobson, Ph.D.

 

Por quatorze meses entre outubro de 1930 e dezembro de 1931, milhões de cidadãos dos Estados Unidos da América (EUA) viram as palavras “Mato Grosso, Brasil” várias vezes por semana, mesmo que poucos sequer pudessem pronunciar “Mato Grosso” ou apontar onde fica o Brasil no globo. Eles sabiam isso: um grupo de ricos aventureiros/grandes caçadores com conexões ao The Explorers Club (Clube dos Exploradores) de Nova York, produtores cinematográficos de Hollywood com câmeras ‘talkie’ de ponta, e dois cientistas da Universidade da Pensilvânia, liderados pelo aventureiro-artista imigrante russo Vladimir Perfilieff e pela lenda da selva Alexander “Sasha” Siemel, da Letônia, estavam no Brasil em uma expedição de um ano; o New York Times estava recebendo, publicando e distribuindo despachos exclusivos de rádio de ondas curtas direto da “selva”; e, todo sábado às 23:15 (Fuso Horário Ocidental, horário de Nova York), eles podiam sintonizar a rádio na expedição em tempo real na KDKA, em Pittsburgh, Pensilvânia, e transmitir mensagens aos membros da equipe. A aventura estava na porta de casa.

Certamente, no começo do Século XX, a exploração das “selvas” no interior da América do Sul não era nenhuma novidade. Equipes, grandes e pequenas, exploraram a vastidão brasileira por séculos, e com resultados diversos. De conquistadores espanhóis no Século XVI, aos mercadores portugueses no século XVII, aos cientistas alemães no Século XIX, aventureiros iam ao interior do Brasil procurando por tesouros, comércio e conhecimento. O desenvolvimento aumentou ao longo da costa leste do Brasil, de seus maiores canais hídricos do interior até as fozes na costa do Atlântico, e avançou para as bordas de sua fronteira interior. Exploradores penetraram mais a oeste para achar território virgem para explorar e aproveitar. Durante o Século XIX e o começo do Século XX, as partes superiores do estado proveram riquezas, mesmo de curta duração, explosões econômicas baseadas na mineração de ouro e diamantes, e a extração de borracha. Devido ao fato das inexploradas áreas de mananciais ao Norte do Rio Paraguai e ao Sul e Oeste do Rio Amazonas serem vastas, estes exploradores possuíam todas as razões para acreditar que eles encontrariam o que eles procuravam no Mato Grosso, a “grande vastidão”.

A região do Pantanal, no Oeste do Brasil, é um vasto pântano em forma de leque, sazonalmente inundado, abrangendo mais de 95 mil quilômetros quadrados e mais ou menos delimitado por quatro cidades brasileiras: Corumbá, Mato Grosso do Sul, ao sudoeste; Campo Grande, Mato Grosso do Sul, ao sudeste; Cáceres, Mato Grosso, ao noroeste; e Cuiabá, Mato Grosso, ao nordeste. Este vasto território tem sido um viveiro de atividade exploradora nos quarenta anos a partir de 1914, iniciando com as hostilidades na Europa. As demandas de recursos da Primeira Guerra Mundial (monetários, humanos e materiais), porém, cercearam a atividade exploradora originada na Europa. O coronel Percy Fawcett, um dos mais ativos e aclamados exploradores europeus do oeste do Brasil/leste da Bolívia no início do Século XX, por exemplo, retornou do oeste brasileiro à Inglaterra para se unir à luta na Europa. Atividades de iniciativas americanas diminuíram conforme os EUA se aproximaram do envolvimento militar direto em 1917. O americano Dr. Alexander Hamilton Rice Jr., o principal rival expedicionário de Fawcett, abandonou sua exploração na Bacia Amazônica para dirigir uma ambulância na França.

Seguindo o fim da guerra, o interesse em expedições retornou; e, com o crescimento econômico do início da década de 1920, também retornou o dinheiro para apoiar estes empreendimentos. “Expedicionar” se tornou uma opção filantrópica e de entretenimento da moda para indivíduos ricos (homens e mulheres) procurando por algo mais exótico do que cruzeiros transatlânticos, a estação social de Nova York e iatismo no Martha’sVineyard. Nos anos entre as Guerras Mundiais, uma tropa de grupos expedicionários (científicos e de outros tipos) do redor do mundo passou por Corumbá, depois por Cáceres ou Cuiabá no caminho para se espalharem em direção a pontos de interesse mais para o norte. Equipes interessadas no noroeste do Estado de Mato Grosso, usaram Cáceres como seu ponto de partida, enquanto equipes tendo em vista o nordeste saíam de Cuiabá. Ao mesmo tempo, muitas expedições permaneciam dentro deste quadrangular geográfico para explorar sua flora, fauna, geografia e cultura. Para estas equipes, servia como base de operações a Fazenda Descalvados, um aparentemente insignificante posto de gado, que já não estava no seu auge, localizada às margens do Rio Paraguai. Gravações disponíveis mostram que nos anos de 1925 a 1935, pelo menos seis expedições americanas de tamanho e duração variadas usaram a Fazenda Descalvados como base: de 1925 a 1926, o Museu de História Natural do Colorado; em 1926, Museu Field de História Natural (Chicago, Illinois); em 1928, Museu de História Natural do Colorado; em 1931, a Expedição Mato Grosso; e, em 1933 e 1935, Alexander Daveron, coletando espécimes para o Zoológico Nacional (Washington, DC) e o Instituto Smithsoniano.

O fato de um rancho de gado de pouco mais de 12 mil quilômetros quadrados, de propriedade da Brazil Land, Cattle, and PackingCompany (Companhia Brazil de Terra, Gado e Empacotamento), localizada no meio de uma planície alagada de 96 mil quilômetros quadrados, cerca de 160 quilômetros da cidade mais próxima, fosse de qualquer tamanho, e acessível quase que exclusivamente através do rio, atrair tanta atenção faz pouco sentido em uma primeira consideração. Nenhuma grande estrada ligava Descalvados com o mundo externo, e a estrada de ferro mais próxima estava a mais de 480 quilômetros ao sul. Não era um centro administrativo governamental regional, tampouco abrigava uma instituição acadêmica, unidades de pesquisa ou um museu. Na verdade, durante meses seguidos, boa parte do rancho ficava sob a água – desde poucos milímetros até vários centímetros – conforme o Rio Paraguai transbordava suas margens durante a estação anual de chuvas, inundando áreas de muitos quilômetros a leste e oeste do canal principal do rio. Sob uma análise mais próxima, porém, o apelo de Descalvados como uma base de expedição para equipes americanas pode ser explicado. Quatro fatores em particular fizeram de Descalvados um destino de escolha para as expedições americanas nos anos entre a 1ª Guerra Mundial e a 2ª Guerra Mundial: precedente histórico, localização geográfica e subsequente diversidade biológica, gerência e infraestrutura do rancho, e conexões interpessoais americanas nas comunidades social, científica e política.

 

Precedente histórico

O rancho/quartel general Descalvados, da Brazil Land, Cattle, and PackingCompany, localizado na margem oeste do Rio Paraguai, cerca de 70 milhas aéreas do sul de Cáceres, Brasil, cumprimentou o novo ano, 1914, com a chegada de uma celebridade internacional: o ex-presidente americano, Theodore Roosevelt. Na tarde de domingo, 4 de janeiro de 1914, o pequeno barco fluvial brasileiro, Nyoac, atracou no cais do rancho no Rio Paraguai, e Theodore Roosevelt, o então coronel Cândido Mariano de Silva Rondon, e o resto da Expedição Roosevelt-Rondon de 1913-1914,desembarcaram. “Nós fomos”, escreveu Roosevelt, “calorosamente cumprimentados por McLean, o diretor do rancho, e seu assistente Ramsey, um velho amigo texano. Entre outros assistentes, todos igualmente cordiais, estavam vários belgas e franceses”.

Roosevelt estava na América do Sul para o que havia começado como um circuito de discursos longamente planejado através de Argentina, Brasil, Chile e Uruguai, seguido de um safári de caça com seu filho mais velho, Kermit, e vários amigos. A cada abertura de oportunidade para fazer o não usual e o inesperado, porém, o itinerário inicial da viagem mudava. “Ocorreu-me”, escreve Roosevelt, “que, ao invés de fazer a convencional viagem de turista puramente pelo mar ao redor da América do Sul, após eu haver terminado minhas palestras eu viria para o norte atravessando pelo meio do continente até o vale da Amazônia”. Tendo refocadoa parte pós-discursos do seu tour pela América do Sul, Roosevelt subsequentemente encontrou-se com Frank Chapman, curador de ornitologia do Museu Americano de História Natural na cidade de Nova York. Roosevelt estava curioso para saber se o museu desejaria aderir à sua excursão para coletar espécimes para o museu e, caso quisesse, quem Chapman recomendaria. Quando ele estava na América do Sul, a excursão de Roosevelt continuou a evoluir ao ponto de haver se tornado uma expedição científica grande, prestigiosa, perigosa e totalmente equipada – incluindo dois naturalistas de campo recrutados pelo Museu Americano de História Natural – para explorar o Rio da Dúvida que passava ao norte do Estado do Mato Grosso e seguia a um ponto final desconhecido. O governo brasileiro estava justificavelmente nervoso sobre o potencial de Roosevelt vir a se ferir em seu solo. Com isso em mente, eles despacharam o coronel Rondon, o explorador do Mato Grosso mais experiente e celebrado do país, e uma equipe completa de outros militares, cientistas e recursos para ajudar a garantir o sucesso do projeto e o bem estar de Roosevelt. Esta decisão acabou sendo crucial: Roosevelt quase não sobreviveu à viagem, carregando um ferimento na perna que levou a uma infecção quase letal, contraindo malária e sofrendo de má nutrição, uma mistura da condições de saúde das quais ele nunca se recuperou totalmente.

Enquanto as atividades de Roosevelt na América do Sul ativamente comandaram a atenção mundial em manter o status de Roosevelt como uma celebridade internacional, a expedição científica foi a história principal – afinal, aos 56 anos de idade, Roosevelt não era mais um jovem, apesar de ainda cultivar o mito de seu “vigor de touro”. Ao longo do caminho, Roosevelt enviou artigos para a revista Scribner’s Magazine sobre suas atividades e manteve um diário detalhado. Durante a parte inicial de sua expedição, a proximidade da sua equipe com o Rio Paraguai e a linha telegráfica Transbrasileira permitiu à equipe enviar despachos; durante sua caminhada de quase 2.500 quilômetrosdescendo o Rio da Dúvida (mais tarde renomeado Rio Roosevelt por Rondon), até mesmo o silêncio imposto pelo isolamento de sua equipe não impediu um constante burburinho internacional sobre seu paradeiro. Após seu retorno aos Estados Unidos, Roosevelt, sempre um escritor prolífico, rapidamente publicou sua versão em primeira Mao da viagem, IntotheBrazilianWilderness(No sertão brasileiro) no final de 1914. O livro foi um best-seller e leitura obrigatório para uma geração de aventureiros e sonhadores.

Os dois naturalistas que Chapman recomendou, George Cherrie e Leo Miller, concordaram em se juntar à Expedição Roosevelt-Rondon. Georg K. Cherrie era, em 1914, um veterano de vinte e poucos anos em coleta científica através dos trópicos das Américas Central e do Sul. Como um dos maiores ornitologistas de campo do mundo, os conselhos de Cherrie tinham constante demanda por equipes científicas afiliadas com museus e universidades americanas. E ainda mais procurada era sua participação em expedições. Na época em que ele concordou em se unir ao projeto de Roosevelt, porém, Cherrie era tão feliz vivendo na semi-aposentadoria com sua família em Vermont quanto ele estava viajando através das Américas Central ou do Sul.

Na época em que o livro IntotheBrazilianWilderness, de Roosevelt chegou às estantes das livrarias no final de 1914, Cherrie estava de volta ao Brasil nas docas fluviais da Fazenda Descalvados. O Museu Americano de História Natural de Nova York havia incumbido Cherrie de coletar espécies específicas para complementar o catálogo da Expedição Roosevelte-Rondon. Menos de dois anos depois, em 1916, Cherrie estava novamente no Pantanal Brasileiro como parte da equipe do Museu Americano de História Natural e da Expedição Cherrie-Roosevelt, financiada pela família de Roosevelt. Conforme ele escreveu em 1930 em sua autobiografia, DarkTrails(Trilhas escuras), sua viagem foi, na sua segunda metade, uma continuação das duas viagens de 1914, “empreendida para suprir o trabalho de história natural da expedição ao ‘Rio da Dúvida’”. Após gastar meses trabalhando através da América Central até a costa ocidental da América do Sul como parte de uma equipe que incluía Frank Chapman, do museu, Cherrie separou-se do grupo e se dirigiu a Buenos Aires, onde o museu havia pré-posicionado equipamento de coleta adaptado para trabalhar no oeste do Brasil.

De Buenos Aires, Cherrie refez sua rota anterior em direção ao norte do Rio Paraguai até o Mato Grosso. Cherrie parou, mais uma vez, em Corumbá, uma cidade descrita como tendo “sido estabelecida por quase 300 anos, mas seu desenvolvimento tem sido bem lento. Isto pode ser devido ao clima, que não contribui para atividade física ou mental. O calor é quase insuportável e é acompanhada por um alto grau de umidade”. Chegando em terra, Cherrie escreveu, “eu estava surpreso em encontrar meu velho amigo, Jack Ramsey, administrador da ‘Descalvados’... Eu contei a Ramsey o que havia me trazido novamente a esta parte do mundo. Ele imediatamente sugeriu que fossemos com ele até Descalvados, dizendo que havia poucos fretes a vapor que partiriam em breve para as partes superiores do [Rio] Paraguai.”

A estadia de três meses de Cherrie (de outubro a dezembro de 1916) em Descalvados foi tão produtiva quanto ele havia esperado, mas mais molhada do que ele desejava. “Antes de deixar Corumbá”, ele observa, “as chuvas já haviam se situado na parte superior do Rio Paraguai; como uma consequência, nós sabíamos que a inundação dos pântanos poderia se iniciar a qualquer momento. Por isso, nós não estávamos inteiramente surpresos, após a chuva continuar durante os dois dias seguintes, de nos encontrarmos obrigados a vadear consideravelmente. Logo grandes áreas ao nosso redor estavam inundadas”. Descrevendo a realidade da coleta durante a cheia sazonal, ele continuou, “Por horas de uma vez só nós vadeamos, os cavalos ocasionalmente, mas não nadavam. Em um local onde nós fomos obrigados a atravessar um profundo lamaçal, nossos carros de boi ficaram parados enquanto nós construíamos uma plataforma elevada ao lado das carroças, mais alta que as rodas de dois metros. Nesta plataforma estavam amontoados nossos equipamentos, para mantê-los secos”. Apesar de tais obstáculos, Cherrie retornou aos Estados Unidos com uma coleção que incluía centenas de aves e dúzias de mamíferos da região, incluindo a pele e o crânio de uma altamente valorizada onça. Outros cientistas e aventureiros escolheriam seguir os passos de Roosevelt e Cherrie até as docas da Descalvados nas décadas que se seguiram.

 

Localização geográfica

A Fazenda Descalvados localiza-se quase no exato centro da América do Sul, nas margens do Rio Paraguai e no meio de uma região de riquezas ecológicas sem paralelos. O Pantanal Brasileiro-Boliviano é um dos pontos de maior biodiversidade do planeta. Durante a primeira metade do Século XX, suas vastas terras pantanosas permanecem como um dos locais menos perturbados e menos estudados do mundo. Em 8 de janeiro de 1931, um comunicado de imprensa argumentando sobre a utilidade científica da Expedição Mato Grosso, o principal financiador da expedição, E. R. Fenimore “Fen”Johnson, escreveu, “Quando observadores credenciados relatam a certas sociedades zoológicas e etnológicas a existência de um animal, objeto ou costume em uma determinada localidade, sua localização é marcada no mapa terrestre... Estes mapas são deliciosamente brancos na vizinhança de descalvados. Na verdade, a maioria das bacias do Paraguai e do Amazonas são inexploradas do ponto de vista científico, até mesmo onde são permeadas por redes de comunicação humana e salpicadas com os postos avançados da civilização”.

A geografia do Brasil apresentava uma miríade de desafios para um rápido desenvolvimento interno. A topografia do país é definida por três grandes sistemas fluviais: o Rio Amazonas na metade norte e os Rios Paraguai e Paraná na metade sul. O Rio Amazonas, que flui de oeste para leste, fornece fácil acesso ao interior norte do país através de seu curso principal e seus muitos afluentes que fluem em direção ao norte e ao sul. Uma gama de montanhas acidentadas, altas escarpas e densas florestas através da fronteira norte do Mato Grosso com os estados de Amazonas e Pará, previnem fáceis movimentos em direção ao sul do Mato Grosso. A Expedição Roosevelt-Rondon experimentou este desafio em primeira mão conforme eles debatiam-se em direção ao noroeste através dos planaltos mato-grossenses, acima de Cáceres, em seguida conforme eles quase morriam de fome abrindo caminho para o norte, descendo o curso do Rio da Dúvida para sua eventual confluência com o Rio Amazonas. Esta jornada os colocou em situações onde eles tiveram de atravessar traiçoeiros rios rápidos e quedas d’água enquanto passavam em meio a territórios pertencentes a grupos indígenas ativamente hostis a incursão exterior. Esta também não era uma área para entrar com rações escassas, porque as florestas não cediam facilmente seus recursos nutricionais a principiantes.

Os Rios Paraná e Paraguai, porém, fluíam de norte a sul, se fundem e eventualmente formam o Rio da Prata (mais para um vasto estuário do que um rio) que se esvazia no Oceano Atlântico entre as cidades de Buenos Aires, na Argentina, e Montevideo, no Uruguai. As centenas de afluentes largos que alimentam ambos os rios apresentando barreiras para movimentos em direção ao oeste e ao interior. No começo do Século XX, nenhuma ponte atravessava estes dois grandes rios, e poucas atravessavam seus afluentes. Até mesmo a Estrada de Ferro Trans-Brasileira era forçada a atravessar seus trens de balsa pelo Rio Paraná, mesmo com seus trilhos percorressem outros 725 quilômetros para oeste antes que terminasse nas margens do Rio Paraguai. Na ausência de maiores sistemas viários do leste a oeste e com apenas a estreita Estrada de Ferro Trans-Brasileira atravessando o parte sul do Brasil, os Rios Paraná e Paraguai serviram como as grandes rotas de transporte rumo ao norte através do sul e oeste brasileiros. Na ausência de pavimentação, estes dois rios foram os primeiros sistemas de transporte interestaduais na América do Sul subamazônica.

Corumbá foi a primeira cidade de qualquer tamanho (cerca de 10 mil habitantes entre 1914 e 1913) ao norte do fim da Ferrovia Trans-Brasileira em Porto Esperança, e continua como a primeira cidade brasileira de qualquer tamanho ao norte do Rio Paraguai na fronteira paraguaia. Corumbá era também o fim da linha para transportes fluviais grandes e regularmente agendados. Embarcações de mais de 60 metros de comprimento podiam navegar ao norte de Corumbá. Até a segunda metade do Século XX, qualquer um que desejasse chegar ao Mato Grosso de qualquer outro lugar que não fosse além das Montanhas dos Andes para o oeste, vinha a Corumbá pela água: se eles viessem do oeste através de terra pelos trens da Ferrovia Trans-Brasileira de São Paulo a Porto Esperança, eles poderiam esperar uma viagem de barco de um a dois dias; se eles iniciar sua jornada há quatro mil quilômetros ao sul, no final do rio, próximo a Buenos Aires, a viagem durava cerca de duas semanas.

Em Corumbá, viajantes vindos do norte, tais quais Roosevelt e Cherrie, passavam para embarcações fluviais menores – agendadas ou não. Ao norte de Corumbá, eles entravam no Rio Cuiabá caso seu destino fosse Cuiabá. Se Cáceres fosse seu objetivo, eles permaneciam no Rio Paraguai. Seguindo ao norte pelo Rio Paraguai, umas poucas aglomerações de cabanas agarravam-se às margens do rio aqui e ali, e serviam como estações de abastecimento primárias para os transportes fluviais movidos à combustão de lenha. Além destes primitivos postos avançados, o complexo da sede ribeirinha na Fazenda Descalvados oferecia a única evidência de civilização que os viajantes fluviais veriam entre Corumbá e Cáceres, e após quatro dias de viagem de Corumbá, sua presença era bem-vinda. A maior parte do tráfego fluvial oriundo do sul parava no rancho para consumir carne (seca ou defumada) para exportação da planta de processamento de carne do rancho. Tráfego oriundo do norte parava para desembarcar passageiros e suprimentos necessários pelo rancho e a comunidade circunvizinha. Se por nenhum outro motivo, devido ao tráfego fluvial acima de Corumbá funcionar em propulsão humana ou a vapor por combustão de madeira, Descalvados era uma parada necessária para abastecimento de todo o tráfego fluvial: os barcos com combustão de madeira paravam para pegar mais madeira; os propulsionados por humanos paravam para conseguirem uma refeição.

Publicado em 1935, The Flying Explorer: How a Mail PilotPenetratedtheBasinoftheAmazon(O explorador voador: Como um piloto de correio penetrou na Bacia do Amazonas) apresentou uma descrição semificcional da Expedição do Mato Grosso de 1931. A narrativa foca nas atividades do avião anfíbio de oito passageiros Sikorski S-38, arrendado da Pan American Airlines pela expedição, e sua equipe. “Ginger” Hale, o protagonista do livro, relata que a localização de Descalvados no mapa fornecia uma clara justificativa para localizar a base de operações da expedição neste pequeno rancho de gado. “A razão era evidente”, expõe Hale. “Nenhum lugar poderia ter mais fácil acesso. Duas semanas de viagem traziam exploradores até Corumbá com grande conforto, em grandes navios a vapor. E embarcações menores os traziam, com pouco desconforto, pelos quatro mil quilômetros do Paraguai até este ponto, tão relativamente próximo à Bacia Amazônica”. Na questão do conforto, Roosevelt concordava que a jornada fluvial era prazerosa. Ele escreveu, “Nós vivemos com muito conforto no pequeno barco a vapor. A comida era farta e a culinária era boa. À noite, nós dormíamos no deck em camas ou redes.

Ainda, conforme Roosevelt acreditava e Cherrie confirmou em suas três viagens, Descalvados representava um local produtivo para abastecer muitos empreendimentos, incluindo pesquisas científicas de ponta no mundo natural. Devido à incrível biodiversidade da região do Pantanal, Roosevelt entendeu que, baseado fora de Descalvados, “um naturalista poderia, com a maior das vantagens, gastar seis meses em tal rancho”. Um ávido caçador, conservador, ornitologista amador e amante de espaços abertos, Roosevelt viu no Pantanal um ambiente único para exercitar as atividades que tanto influenciavam seu coração. “Um caçador de gostos científicos, um caçador-naturalista, ou mesmo um naturalista de ar livre, ou um naturalista de fauna interessado em grandes mamíferos”, eles escreveu “não apenas apreciaria a bela caçada nestes vastes pântanos da parte superior do Rio Paraguai, mas também faria um trabalho de real valor científico”. Sua conclusão, dividida com o mundo através do livro ThroughtheBrazilianWilderness, foi que “um naturalista de fauna ao ar livre, um estudante das históris de vida dos grandes mamíferos tem a eles aberto na América do Sul um maravilhoso campo com o qual trabalhar”. O rancho da Brazil Land, Cattle, andPackingCompany em Descalvados abria a porta para este mundo.

 

 

Gestão e infraestrutura do rancho

O próprio rancho de Descalvados oferecia recursos únicos aos cientistas e aventureiros americanos. Entre 1914, quando Roosevelt e companhia pararam pela primeira vez no rancho, e 1935, quando o veterano da Expediçao do Mato Grosso, Alexander Daveron, retornou para sua terceira estadia, a gestão do rancho estava nas mãos dos pecuaristas falantes de inglês, dentre os quais John Gordon “Jack”Ramsay era uma presença constante. Em 1914, Ramsay serviu como o capataz do rancho de Descalvados sob MacLain, o gestor residente do rancho para a Brazil Land, CattleandPackingCompany, uma companhia financiada em grande parte por investidores franceses e belgas. Ambos respondiam ao escritório corporativo da companhia em São Paulo, sob a liderança do senhor MurdoMacKenzie, um proeminente cidadão americano (originalmente da Escócia) e lideravam os pecuaristas norte-americanos recrutados pelo conselho da Brazil Land, CattleandPackingCompany com um lucrativo contrato de cinco anos, durando de 1912 a 1918. O desafio de MacKenzie era replicar no Brasil o que ele havia conseguido na MatadorCattleand Land Company (Companhia Matador de Gado e Terra) na América do Norte. A direção de MacKenzie foi o ponto alto da Brazil Land, CattleandPackingCompany durante o qual ele supervisionou a aquisição e estoque de 40.500 quilômetros através do Brasil, junto com a construção da infraestrutura necessária para aumentar a produção e o processamento de carne bovina em uma escala industrial. Em certo ponto o rancho da corporação no Mato Grosso continha, sozinho, mais de 300 mil cabeças de gado. A demanda por carne para alimentar as Forças Aliadas e os civis durante a 1ª Guerra Mundial aumentou o preço da carne bovina ao ponto de que mesmo a então longa e complexa atividade comercial de exportação do Brasil até a Europa se provou altamente lucrativa.

Jack Ramsay veio ao Brasil do norte do Texas, onde, segundo relatos, ele foi xerife quando jovem. Quando George Cherrie retornou ao Brasil em 1916, Ramsay trabalhava como gestor residencial do rancho de Descalvados, uma posição que ele manteve até sua morte em 1934. Ramsay foi um personagem maior que a vida, ao redor do qual, conforme relatado em um artigo de 1913 do jornal SaturdayEvening Post, pelo membro da Expedição Mato Grosso, David M. Newell, cresceu certa mitologia. De acordo com Newell, Ramsay era uma texano de grande coração que era conhecido através do sudoeste brasileiro como ‘The Mister’. (‘O Senhor’). Amigos – e haviam vários – pronunciavam o título com afeição; rancheiros vizinhos e oficiais se referiam a ele com respeito e ladrões de gado falavam do The Mister com medo e temor. Apesar de John Gordon Ramsay ter 76 anos de idade e ter pedido seu olho direito, ele ainda pesava 86 quilogramas e seus grandes punhos eram tão rápidos em achar o queixo de um peão indisciplinados ou puxar um revólver do coldre quanto eles eram nos dias em que ele era um xerife aperfeiçoando suas habilidades contra os homens maus do Velho Oeste.

Ramsay de bom grado e frequentemente acolhia hóspedes norte-americanos na Fazenda Descalvados. “O coraçao de The Mister é tão grande quanto seu rancho”, Newell relatou, “e ele tem acolhido inúmeras expedições americanas. Coronel Roosevelt parou para visita seu velho amigo texano a caminho do Rio da Dúvida. Sra. Marshall Field desfrutou da hospitalidade de Descalvados. Vários homens de museus tornaram o rancho como uma base para pesquisas científica e todas receberam a entusiástica assistência de Ramsay e seus homens”. O conhecimento íntimo que Ramsay possuía da região pantaneira, incluindo sua flora, fauna, políticos locais e padrões climáticos, era importante para seus hóspedes. Da mesma forma, sua habilidade de falar inglês, português e espanhol se provou inestimável para seus hóspedes da América do Norte. Ainda, além dessas habilidades, Ramsay era conhecido e respeitado em Corumbá, Cáceres, Cuiabá, bem como através da fronteira, na Bolívia. Como resultado, a influência de Ramsay ajudava seus hóspedes a “fazer as coisas” mesmo face aos níveis bizantinos da burocracia oficial e não-oficial do Brasil.

O rancho em si era um auxílio nas expedições. O rancho englobava mais de 12 mil quilômetros e fronteava o Rio Paraguai por quase 80 quilômetros. Em tal escala, e posicionado da maneira em que estava, Descalvados continha dentro de seus limites um corte transversal dos ecossistemas da região. Melhor ainda, hóspedes precisavam apenas da permissão de Ramsay para caçar, escavar, exportar, observar e viajar; raramente eles precisavam cruzar até as terras de outro proprietário. A única permissão que Ramsay não podia fornecer era a permissão de realizar trabalhos etnográficos entre a população indígena da região. Esta autoridade repousava no governo brasileiro; o acesso era controlado pela Inspectoria de Protecção dos Indios.

Uma vez concluídos sobre a liderança de MacKenzie, o composto da sede do rancho nas margens do Rio Paraguai foi equipado com uma gama de serviços necessários para auxiliar um moderno negócio industrial de gado. Mesmo em 1914, este desenvolvimento era digno de nota, particularmente no rancho na fronteira brasileira. Roosevelt se sentiu compelido a gravar a seguinte lista detalhada de recursos: “Neste rancho havia um curtume; um abatedouro; uma fábrica de conservas; uma igreja; prédios de vários tipos e todos os graus de conforto para as 30 ou 40 famílias que fizeram do local sua sede; e a bela e branca casa grande de dois andares, fincado de maneira extravagante entre os limoeiros, na margem do rio”.

Em 1931, quando a Expedição Mato Grosso chegou, Descalvados havia passado de seu auge como processadora de gado: o preço da carne havia caído após a guerra, e a produção europeia se recuperou. “Doença entre o gado, políticos também, mas principalmente o afastamento dos mercados mundiais e as dificuldades de transporte ... retardaram o desenvolvimento do império colossal”. Como resultado, o rancho operava uma fração de sua capacidade potencial com um remanescente de seus antigos números de funcionários. Alexander Siemel, em suas memórias não-publicadas escreveu, “este foi um rancho de gado muito importante cerca de 20 anos atrás. Mas agora está, em sua maioria, em ruínas. A companhia que o possuía matou a maioria do gado durante a guerra e agora a mantém como um elefante branco, não querendo gastar nenhum dinheiro nele, mas tentando fazer o suficiente para pagar os impostos”. Grace Thompson Seton, que chegou em Descalvados em 1925 com a companhia de George Cherrie, descreveu a causa e o efeito do declínio da Brazil Land, Cattle, andPackingCompany, conforme ela observa que “o imenso Saladeiro construído para preparar o gado para o mercado e agora apenas parcialmente usado, é um testemunho da fé de muitos bons homens de negócios de que haviam ‘milhões nisso’. Havia milhões naquilo – irremediavelmente afundados!”

O resultado deste declínio, enquanto certamente não estava alinhado com os desejos dos acionistas da companhia, foi um benefício para as expedições baseadas em Descalvados: eles podiam se hospedar por si mesmos nos alojamentos vagos do rancho e armazenar seu equipamento nos galpões vagos. O resultado foi um nível de conforto na base não achado tipicamente durante trabalho de campo. Estes confortos raros em campo incluíam eletricidade, água corrente e força auxiliar fornecida pela usina a vapor da fábrica de processamento. Da mesma forma, estas equipes podiam também usar os empregados brasileiros residenciais remanescentes que frequentemente tinham tempos de sobra entre os rodeios sazonais de gado. Menos divulgado, mas igualmente importante era o fato de que Descalvados era, de acordo com uma avaliação informada de Siemel, “tão seguro quanto qualquer rancho de turismo nos Estados Unidos”. Nos dias logo após o auge do rancho de Descalvados nas décadas de 1920 e 1930, então, expedições acharam uma base de operações quase perfeita.

 

Interconexões sociais, científicas e políticas americanas

Finalmente, conexões interpessoais (sociais, políticas e científicas) completavam o quadro de porque Descalvados possuía a afinidade que tinha com expedições estadunidenses ao oeste brasileiro. Estas conexões remetem aos primeiros anos do Século XX, especificamente às reuniões entre o presidente Theodore Roosevelt e o senhor MurdoMacKenzie, então gestor da Matador Land andCattleCompany e presidente-fundador da American Stock GrowersAssociation (Associação Americana de Produtores). Destes dois homens se estende uma rede de amizades interconectadas, projetos filantrópicos e interesses intelectuais, com ambos tendo histórias educacionais similares e sendo membros das mesmas organizações sociais.

Chamado por Roosevelt “o mais influente pecuarista americano”, MurdoMacKenzie geria a maior operação de gado da América do Norte, a Matador Land andCattleCompany, com rebanhos espalhados na extensão do Texas ao Canadá. Em 1905 e 1906, seu envolvimento ajudou Roosevelt a mover o Ato Hepburn de 1096 no Congresso. MacKenzie testemunhou perante o Congresso em sua posição como presidente da American Stock GrowersAssociation para explicar como a indústria ferroviária desregulada conspirou para fornecer taxas preferenciais para negócios da costa leste enquanto privavam a indústria no médio oeste e oeste de tratamento similar. Roosevelt se encontrou em particular com MacKenzie nos meses que precederam a votação do Ato Hepburn para aprender mais sobre a monopolização das ferrovias. Dentre outros resultados, esta peça de legislação progressiva nivelou taxas de envio em ferrovias através dos Estado Unidos da América e se estendeu a autoridade regulatória da Comissão Comercial Interestadual na indústria ferroviária.

Durante suas entrevistas com MacKenzie, Roosevelt descobriu em MacKenzie um homem que dividia muitos de seus interesses e habilidades: um amor por ambientes abertos, um caçador talentoso e cavaleiro habilidoso. Ele também conheceu um gestor corporativo competente com visão aguçada e disposição de correr riscos calculados para melhorar a performance de sua companhia e o retorno aos seus acionistas. Esta mistura de habilidade levou Roosevelt a apontar MacKenzie para a Comissão de Conservação Nacional em 1908.

MacKenzie se mudou para São Paulo em 1912 para assumir a gerência da Brazil Land, Cattle, andPackingCompany. Em São Paulo, MacKenzie e sua esposa, Isabella, foram um dos anfitriões de Roosevelt em 1913 quando ele e a Sra. Roosevelt se misturavam com o melhor da sociedade brasileira e a comunidade expatriada da cidade antes de Roosevelt completar suas obrigações com suas palestras ao redor da América do Sul. E então, em 4 de janeiro de 1914, quando Roosevelt saía do deck do Nyoac e pisava nas docas de Descalvados, ele o estava fazendo, em parte, sob mando de MacKenzie. Em descalvados, Roosevelt pode ver em primeira mão o que um pecuarista americano poderia realizar usando lições aprendidas e técnicas desenvolvidas na América do Norte. A recepção em Descalvados à expedição foi realizada por ordens de MacKenzie diretas de São Paulo, executadas no oeste distante do Brasil por MacLean e Ramsay. MacKenzie colocou à disposição de Roosevelt qualquer coisa que ele precisasse dos variados recursos da companhia localizados na região do Mato Grosso.

MacKenzie deixou o Brasil em 1918, seguindo ao que ele atribuiu como tendo “denominado a mais interessante e gratificante experiência de sua vida”. Ele retornou ao negócio de gado norte-americano até sua morte, 20 anos depois, em 1939. Apesar disso, MacKenzie deixou uma influência no Brasil que durou pelo menos mais duas décadas após sua partida. De volta aos Estados Unidos, MacKenzie se estabeleceu em Denver, Colorado, onde ele ajudou a transformar o Museu de História Natural do Colorado de um pequeno museu regional ao reconhecimento como uma organização científica de ponta. Jack Ramsay, a quem MacKenzie promoveu a gestor residencial dos negócios da companhia em Descalvados, estendeu o tapete das conexões interpessoais quando começou a trabalhar diretamente com a equipe do Museu do Colorado em 1925, e aqueles que a seguiram.

Em 1925, o Museu de História Natural do Colorado, em Denver, Colorado, enviou quatro membros do seu quadro de funcionários para a primeira viagem coletora do museu à América do Sul, “para o propósito de assegurar espécimes e material com o quais ilustrar os mamíferos e aves daquela porção da América do Sul”. A equipe entrou na América do Sul munida de cartas de apresentação para indivíduos-chave nos comunidades empresariais, governamentais e militares fornecidas por MurdoMacKenzie, um apoiador do Museu do Colorado. Seguindo o conselho de Roosevelt e o modelo de Cherrie, eles seguiram para o Mato Grosso e estabeleceram-se em Descalvados para trabalhar dentro das ricas condições que foram descritas e pela generosa hospitalidade que as conexões de MacKenzie forneceram. Ao todo, a equipe gastou cinco produtivos meses (de 7 de setembro de 1925 a 23 de janeiro de 1926) baseados no rancho.

O sucesso da equipe foi atribuído em partes à assistência fornecida por Jack Ramsey. Conforme observado noAnnualReportof The Colorado Museumof Natural History for theYear 1926 (Relatório anual do Museu de História Natural do Colorado para o ano de 1926), “De fato, o senhor Ramsey cedeu seu ininterrupto interesse e atenção aos muitos detalhes de transporte, equipamento, etc., e se deve a ele uma grande parte do crédito do alto nível de sucesso das atividades naquela região”. A expedição retornou a Denver com uma coleção de 975 artefatos que incluía 750 espécies de aves e 125 de mamíferos, um das quais, uma onça-parda (suçuarana), havia sido doado à coleção do museu por Jack Ramsey. Em resposta à esta generosidade de espécies, Frank M. Taylor, presidente do conselho do museu, escreve na carta de capa do Relatório Anual de 1926, que “O material coletado na América do Sul completamente justifica a imediata construção do William H. James Memorial Hall, para ser a ala sul do atual edifício”. O relatório anual de 1926 também agradeceu aos membros da equipe de Ramsay em Descalvados, incluindo Jerry Ramsey, J.A. McLeoud, Jack Keats e JoãoPrudencia, pelo seu apoio e serviços.

No final de 1926, Ramsay novamente recebeu George Cherrie, veterano da Expedição Roosevelt-Rondon, em Descalvados como uma base para a sua proposta de atividade científica. Cherrie, atraído para fora de sua semi-aposentadoria por seu antigo empregador (1892-1895)o Museu Field de História Natural de Chicago, liderou uma comitiva de nove pessoas em uma viagem de coleta através de América do Sul. Diferentemente de duas mais recentes visitas a Descalvados (1914 e 1916), a equipe de Cherrie de 1926 misturava profissionais científicos dentre o quadro de funcionários do Museu Field com amadores procurando (e pagando) por uma aventura. Em sua essência, este empenho era o vaidoso projeto “expedicionário” dos doares do museu. Além dos seis membros do corpo de funcionários do museu, Cherrie também era responsável por duas mulheres conectadas ao principal doador do museu, o milionário Marshall Fiedl III, que forneceu 40 mil dólares para firmar esta expedição, somados à sua doação anual de 100 mil dólares: Evelyn Marshall Field era a socialmente ativa esposa de Field; Grace Thompson Seton era uma notável escritora de viagens e ex-esposa de Ernest Thompson Seton, fundador dos Escoteiros Mirins da América. Apesar da equipe ter permanecido na América do Sul por sete meses, em menos de duas semanas Cherrie, Field, Setone equipe caçaram espécimes biológicas e geológicas através da propriedade Descalvados, auxiliados por Ramsay e sua equipe. Conforme registros no Field Museum of Natural History Reports, Vol. VII (Relatórios do Museu Field de História Natural, Vol. VII), “o senhor Jack Ramsay os ofereceu a hospitalidade do rancho e forneceu carros de bois e cavalos para a viagem de caça ao oeste”. A caçada foi relatada como excelente: “Srta. Field atirou em uma ótima onça. Duas espécies de veado e dois tamanduás-bandeiras também foram obtidos nesta região. Muitas aves interessantes e desejáveis também foram assegurados”. Registros do museu mostram que a equipe de Cherrie retornou aos EUA com 4.333 espécies (362 mamíferos; 647 aves; 282 répteis e anfíbios; 2.317 peixes; 846 insetos; e outros 58 invertebrados).

Durante 1928, uma equipe de duas pessoas do Museu de História Natural do Colorado retornou a Descalvados “para obter materiais de cenários e habitat de grupos” necessários para ajudar a completar a exibição na nova ala do museu dedicada à flora e à fauna da América do Sul. Novamente, estes cientistas contaram com Ramsey e seu pessoal para ajudá-los a alcançar seus objetivos. E, novamente, oficiais do museu reportaram esta contribuição nos relatórios oficiais do museu.

A Expedição do Mato Grosso de 1931 saiu de Nova York no Westen World (Mundo Ocidental) da MunsonLine em 26 de dezembro de 1920, seguindo a Descalvados com o objetivo declarado de “criar para a posteridade um registro popular e científico da vida humana, animal e vegetal e da cênica e outras feições do território dentro de um raio de 800 quilômetros quadrados de Descalvados no Mato Grosso tão completo quanto os recursos da expedição permitam”. Ao contrário das três expedições baseadas em Descalvados em 1925, 1926 e 1928, que se formaram sob a égide de instituições científicas, a Expedição Mato Grosso foi formada em resposta ao desejo romântico de Alexander Siemel de filmar e compartilhar as muitas maravilhas naturais do Pantanal. Vladimir Perfilieff, um artista, viajante mundial e aventureiro que sempre estava pronto para partir a curto prazo, e John S. Clarke, Jr., um rico nova-iorquino com um profundo interesse em fotografia, logo compartilhou da visão de Siemel. O resultado foi uma clássica aventura “expedicionária” que apelava a homens ricos com tempo de sobra e visões de excitação com terras distantes e exóticas.

Como o membro Vincent Petrullo explicou, “A crise de 19129 deixou muitos jovens desiludidos e famintos para fugir ‘de tudo’, bem como experimentar uma vida mais romântica do que assistir as mensagens do telégrafos... Como resultado, os jornais se tornaram abarrotados com anúncios de expedições partindo para todos os cantos mundo procurando algo”. Esta era uma questão financiada de modo particular, completada com artigos de incorporação e ações oferecidas a investidores. Ainda assim, “seus membros”, de acordo com Petrullo, “sinceramente esperavam realizar contribuições à ciência”, como Roosevelt em 1914, a companhia inclui em sua equipe vários cientistas: Vincent Petrullo, um estudante de doutorado da Universidade da Pensilvânia, serviu como etnógrafo; Dr. James Rehn, um professor da Universidade da Pensilvânia e membro da Academia de Ciências Naturais, serviu como zoólogo; e Alexander Daveron, um “estudante especial de patologia” da Universidade Johns Hopkins, serviu como médico.

O caminho casual que havia levado outras expedições à parte superior da bacia hidrográfica do Rio Paraguai e à doca da Fazenda Descalvados, porém, era o mesmo que a Expedição Mato Grosso seguiu. O grupo seguiu para Descalvados porque eles sabiam, baseados nas experiências de outros cidadãos americanos, o que eles poderiam esperar alcançar no Mato Grosso: caçar e pescar para satisfazer seus corações, filmar estranha e excitante vida selvagem, e observar e filmar povos indígenas “primitivos”. As logísticas da expedição eram bem simples: a equipe poderiam chegar de Nova York a Descalvados diretamente, apesar de lentamente, com suas 13 toneladas de suprimentos para a expedição. O rancho possuía muito do que eles precisavam para realizar seu tão planejado filme: locação, animais, cenário, extras, eletricidades, alojamento e mão de obra excedente. Finalmente, os originadores da expedição (Perfilieff, Siemel, Clarke) possuíam conexões: Siemel conheceu Jack Ramsay em Descalvados; Perfilieff possuía experiência expedicionária anterior, e Siemel e Clarke eram caçadores experientes; através do acesso de Clarke aos prospectivos financiadores americanos, eles estavam confiantes que eles teriam acesso ao capital necessário; e o caderno de cada um dos homens continha os nomes de pessoas com talentos necessários para preencher a lista de especialistas, generalistas e técnicos da expedição.

Perfilieff, conforme descrito por Siemel, “conhecia todo mundo, cada explorador ou aventureiro, que realmente o fosse ou desejasse o ser, e quando quer que houvesse uma oportunidade para uma nova aventura, ele estava pronto a ingressar”. Seu currículo de expedicões incluíam a expedição de WilliemBeebe ao Haiti em 1927, durante a qual ele trabalhou com Floyd Crosby, com quem ele colaboraria na expedição a Monte Athos, na Grécia, em 1929. Perfilieff também conhecia John S. Clarke, Jr., que trazia seu irmão de fraternidade da Universidade da Pensilvânia, E. R. Fenimore Johnson ao planejamento da expedição. Da mesma forma, Johnson trouxe a expedição à atenção dos principais museus da Filadélfia (o Museu Penn e a Academia de Ciências Naturais), dos quais ele participava do conselho. As conexões de Perfilieff se espalhavam pelo corredor Boston-Nova York-Filadélfia, e quando a discussão de caçar onças nos Brasil voltou-se para o uso de cães de caça, David Newell, escritor de natureza, caçador de grandes felinos e reconhecida autoridade em cães de caça era obviamente a pessoa a se consultar e, então, recrutar. As conexões de Newell resultaram em George Rawlls e John Newel, o irmão mais novo de David Newell, se unirem ao projeto como guia de caça/ator e operador de rádio, respectivamente.

O Clube dos Exploradores de Nova York serviu como o a sede dessas conexões sociais de mais amplo alcance. Apesar de que, em 1930, o membro do Clube dos Exploradores, Theodore Roosevelt, estar morto, Kermit Roosevelt ainda era um membro ativo, assim como eram outros exploradores de grande nome da época (Roy Chapman Andrews, William Beebe, Richard Byrd, Sir Hubert Wilkins, etc.) e diretores dos maiores museus de história natural (Charles Cadawalader, da Academia de Ciências Naturais da Filadélfia; HoraceJayne, do Museu da Universidade da Pensilvânia, etc.). Dos membros da Expedição do Mato Grosso, seis eram membros do Clube dos Exploradores (John S. Clarke, Jr., Floyd Crosby, S. Alexander Daveron, E.R. Fenimore Johnson, David Newell e Vladimir Perfilieff) e seis tinham uma conexão direta (família, patrão, amigo com um membro do Clube dos Exploradores (Sam Hoopes, John Newell, Vincent Petrullo, George Rawlls, Dr. James Rehn e Alexander Siemel). A equipe ainda traria com eles a bandeira nº 34 do Clube dos Exploradores, a qual Perfilieff afirmava ter sido carregada em expedições lideradas por, William Beebe, Roy Champman, dentre outros.

Após quase um ano em campo em Descalvados, a Expedição Mato Grosso começou a reduzir suas atividades e seus membros voltaram para casa. Quando os últimos membros da Expedição do Mato Grosso retornaram aos EUA e chegaram em 10 de dezembro de 1931 no American Legionda MunsonLiner, o jornal The New York Times e outros jornais tinham repórteres e fotógrafos esperando. Fenimore Johnson e Vladimir Perfilieff se dirigiram aos repórteres reunidos e declararam que a Expedição do Mato Grosso havia sido um sucesso. Enquanto lembravam àqueles reunidos que desembalar e catalogar todo o conteúdo das bagagens e caixotes, sobre os quais os agentes da Alfândega Americana caíam, levaria algum tempo, Perfilieff estava confiante de que “os objetos coletados constituiriam o mais extenso lote de material nativo já trazido de qualquer parte do mundo”. Johnson apanhou este tema de realização ao falar sobre o conteúdo biológico que estava no píer. “Enquanto a coleção de insetos é relativamente pequena”, ele disse, “a coleção de aves é a maior já trazidos daqueles lados”. Os espécimes da expedição foram destinados à Filadélfia, prometidos à Academia de Ciências Naturais e ao Museu da Universidade da Pensilvânia.

O repórter do jornal The New York Times ficou a cargo de descrever a bagagem da expedição, a qual incluía “um zoológico consistindo de cinco onças-pintadas rosnando, uma onça-parda meio domada, duas jaguatiricas, dois tamanduás, dois porcos-espinhos, um quati, uma tartaruga de 30 quilogramas e uma cegonha conhecida como o tuiuiú”. O repórter do Times resolveu que a extensiva e eclética bagagem mais típica, que não respirava nem assobiava, era justificativa o suficiente para seu próprio relato detalhado: “Caixas, malas, baús, estojos e maletas cheios com espécimes de coleções etnológicas, arqueológicas, zoológicas e botânicas feitas nas partes remotas da província brasileira... Uma grande urna de argila, remanescente da antiga cerâmica grega, permaneceu no píer, imprensado entre uma câmera de filmagem ultramoderna e um enorme baú de metal”. Adicionando massa ao mater

Carregando comentarios...

Artigos

Outubro Rosa e a Lei 12.802/2013

21/10/2014 - 10:13
Artigos

Dignidade humana

21/10/2014 - 06:47