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Lei Maria da Penha em MT: avanços e desafios
Por Mára Santos/Dani Cunha
15/08/2017 - 08:14

Foto: assessoria
Sancionada em 2006, a Lei Maria da Penha foi um grande avanço na vida em sociedade. Mulheres que lidam diariamente com questões relacionadas à violência doméstica são unânimes ao ressaltar a importância, principalmente no que diz respeito às denúncias e à sua aplicabilidade. No dia 7 de agosto a Lei 11.340 completou 11 anos e da mesma forma que a legislação tem ajudado milhares de mulheres, muito ainda se discute sobre ações necessárias para que a lei seja mais eficaz.
 
A desembargadora Maria Erotides Kneip avalia que a Lei Maria da Penha trouxe mudança para a sociedade e veio para ser um marco, um grande divisor de águas. “A forma como o país tratava a violência contra a mulher passou a ser a forma como a Lei Maria da Penha determina que se trate esse tipo de violência, uma violência contra a família. É uma lei de 11 anos, ainda menina, pré-adolescente, mas que tem se consolidado, com força tamanha que está trazendo essa mudança cultural no tratamento da causa do problema, que é a violência doméstica”.
 
Segundo a magistrada, antes da Lei Maria da Penha, a violência contra a mulher, especialmente a agressão, era tratada da mesma forma que uma briga de companheiros em um bar, por exemplo, sob o mesmo artigo 129, que trata da lesão corporal. “A lesão contra a mulher, no âmbito doméstico, é uma lesão da família inteira, especialmente dos filhos. Tanto que hoje a grande preocupação de se instalar verdadeiramente os valores que a Lei Maria da Penha trouxe é fazer com que as crianças e adolescentes entendam também a importância de se cuidar dos valores da família. Toda estrutura familiar é afetada pela agressão doméstica contra a mulher. As consequências dessa agressão contra a mulher são eternizadas nos filhos que assistem a violência doméstica”.
 
Em Mato Grosso existem quatro Varas Especializadas de Violência Doméstica, que cuidam especificamente desse assunto e de onde, segundo Maria Erotides, se vê resultados. Esse é um dos motivos da necessidade de se implementar verdadeiramente a lei com a criação dessas varas, uma vez que os juízes especializados procuram se capacitar melhor, criam programas e toda estrutura de atendimento. “Mato Grosso é um estado com 79 comarcas e com apenas quatro Varas Especializadas. Precisamos aumentar esse número para que a mulher possa receber o tratamento que ela e a família merecem”.
 
A magistrada destaca que Mato Grosso é pioneiro com relação a Lei Maria da Penha graças, também, ao trabalho da desembargadora Shelma Lombardi de Kato que no final da década de 80 fazia essa campanha em nível mundial. “Por meio de um trabalho dela eu participei de um evento com mulheres magistradas em San Diego, na Califórnia, onde havia duas mil mulheres magistradas no mundo discutindo a violência doméstica. Levei um projeto sobre a criação das delegacias de defesa da mulher, que no Brasil foi criada em 1985 e em Mato Grosso só tínhamos duas. O estado saiu na frente por causa desse trabalho magnífico da desembargadora Shelma, que é para todas nós, magistradas de Mato Grosso, um grande ícone”.
 
A desembargadora enfatizou a Campanha #AgostoLilás, lançada no dia 7 de julho pela Secretaria Especial de políticas para Mulheres, do Ministério da Justiça. “Essa campanha vem para comemorar de forma bonita os 11 anos da Lei Maria da Penha, porque o lilás é uma cor muito leve, que lembra serenidade, alegria, mostrando o quanto que se tem que consolidar os valores da lei. É uma campanha que eu acredito que vai tomar conta do Brasil. Nós devemos cuidar das mulheres e protegê-las de todas as formas de violência”, finalizou.
 
 
Para a coordenadora do Núcleo de Enfrentamento à Violência Doméstica contra a Mulher do Ministério Público de Mato Grosso, promotora Lindinalva Correia Rodrigues, a Lei tornou os casos de violência doméstica visíveis. “Estes casos, que antes padeciam da invisibilidade, hoje são debatidos, conhecidos, mencionados pela sociedade, pelas crianças, jovens e adolescentes”, salienta.
 
Ao comemorar os 11 anos de criação da Lei Maria da Penha, Lindinalva ressalta a mudança de comportamento e mentalidade das mulheres. “No início elas demoravam muito tempo para denunciar as agressões. Hoje, a mulher tem mais consciência. Já não espera dez agressões para procurar a delegacia de polícia”, ressalta.
 
Apesar da coragem que a mulher passou a ter por meio da lei que as protege, o último balanço feito em relação à violência doméstica revela que de março de 2016 a março desse ano, foram registrados 79 feminicídios e desse total, 37 com vítimas fatais. Número considerado alto para a promotora.
 
“Uma única mulher que seja vítima de feminicídio, para nós já é muito, então, esse número é estarrecedor, muito cruel. Por isso lutamos muito pela prisão e pela punição desses homens que cometem esses crimes com atrocidades terríveis em quase 90% dos casos”.
 
Lindinalva faz questão de destacar que Cuiabá foi a primeira capital a implementar a Lei Maria da Penha e é tida como a cidade em que mais se aplica a Lei no país, mas a promotora ressalta que é preciso implantar políticas públicas para garantir maior segurança para essas vítimas de agressão.
 
A presidente do Conselho Estadual dos Direitos da Mulher, Jocilene Barboza dos Santos afirma que por essa amplitude que a Lei Maria da Penha tem, ela demanda um conjunto de ações que dê conta de fazer com que a lei realmente seja assegurada. “De fato a gente comemora mais de uma década de Lei Maria da Penha e avançou muito no sentido de reconhecer que há violação de direitos humanos”.
 
Porém, segundo Jocilene, é preciso avançar muito no que diz respeito à estrutura para materialização da lei, como a necessidade de uma rede de proteção mais adequada, que dê suporte para que a lei possa ser aplicada, além do aumento da equipe para atender a demanda da capital. Atualmente existe uma Delegacia da Mulher em Cuiabá e outra em Várzea Grande. No total, em Mato Grosso, são sete delegacias para tratar o assunto.
 
A conselheira também defende a implementação de políticas públicas, para que haja acolhimento, acompanhamento psicossocial da mulher e para isso, segundo ela, é necessário um trabalho em conjunto entre as delegacias, os juizados, defensorias e o apoio psicossocial.
 
“A Lei Maria da Penha é um instrumento fabuloso que foi amplamente premiado em nível nacional por trazer a possibilidade de encorajar e empoderar as mulheres. Precisamos avançar, tanto em campanhas educativas, no papel da escola, da educação, que tem um potencial muito grande de construção de significados. Se nós somente atacarmos na esfera da punição não vamos dar conta. Vivemos numa sociedade patriarcal, isso é uma construção cultural e o enfrentamento deve ser feito à altura que o tema merece”.
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