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Além de tudo é estudada: relatos da vida de uma cacerense
Por por Guilherme Vargas
14/02/2015 - 11:03

Foto: arquivo

Reconheci aquele olhar. Me reconheci naquele olhar cínico... Não esqueçamos, existem expressões que até podem parecer ofensas ou xingamentos em outros lugares, mas por estas bandas são pura demonstração de carinho. Não é estranho ouvir: -Gosto demais dessa cretina! ... “Merda!” então, pode ser uma expressão superlativa para ênfase: uma exclamação pronunciada.

Aquele olhar cínico não é desmerecimento, é um reconhecimento de haver algo mais, que está propositalmente sendo escondido. Não há ingenuidade. Assim é a cultura pantaneira. Depois de ter sofrido ataques intenso que objetivada sua eliminação esta cultura sobreviveu pela sabedoria de instrumentalizar ironias. Não é possível perceber a ascensão de comediantes regionais sem entender que se trada de um propósito maior: autoafirmação e autodeterminação através da cultura.

Aquele olhar cínico veio de duas personalidades em uma pessoa só. Por ele foi que revelou a essência dentro de uma aparência. Uma personalidade é casca e a outra é miolo; uma é expressão cultural e a outra é sabedoria; uma é Bastiana Cacerense a outra é Fatinha.

Bastiana talvez seja a figura cômica mais emblemática dos personagens pantaneiros. Ela é intensa e foi determinante para que nós nos reconhecêssemos e passássemos a pensar que nosso falar é marcante e envolvente; gruda! Bastiana veio pra gente lembrar que é nossa cultura que nos identifica e nos situa historicamente.

Não credite que ela surgiu de uma piada... ela é fruto da mente de um prodígio. Foi professora universitária e aluna do mestrado em Literatura Brasileira da PUC/MG, formou professores nos mais distantes rincões do estado. Sim, além de fazer rir, Bastiana é estudada, ou melhor, Bastiana é um dos reflexos da inteligência de Fatinha!

Bastiana foi uma resposta aos fatos e pessoas que agiram diretamente para o brusco interrompimento da carreira acadêmica de Fatinha. Estes tiveram como revide uma alegre vingança: tiveram que ouvir as pessoas darem gargalhadas de Bastiana. Assim como a cultura pantaneira que só por existir já afronta seus algozes, Bastiana, como criação magnífica, afronta todos os que agiram contra Fatinha.

Ela afoga em risadas cada um dos fatos e das pessoas que agiram mal; afoga com a displicência de quem “afoga” arroz, e faz disso tudo um refogado para comer com o lambari frito. Quem tem o prazer de compartilhar qualquer momento com Fatinha ou com Bastiana conhece a risada afrouxada, os braços soltos, pernas bambas e a face dolorida de tanto rir.

Com lenço na cabeça e vestido de chitinha estampada, Bastiana andava pelos lugares como se entendesse de tudo e sempre parava com mão na cintura, igual um bule. Mão na cintura é coisa de gente poderosa, como de fato ela é. Cada estória que contava sobre suas desventuras na vida sempre terminava com uma risada espetaculosa, que destacava mais que qualquer outra e assim ela ensinava que na vida o bom é rir.

Já Fatinha é pessoa emotiva, de abraços fortes, animada como uma criança em uma gincana, preocupada com que as pessoas se sintam bem e que conheçam umas às outras. Sempre tem alguma coisa para ensinar e ensina na simplicidade do sotaque, sem a gente perceber as teorias e conhecimentos complexos contidos na sua fala despretensiosa. É efêmera nas emoções: se alguém debate um assunto ou notícia importante, ela se espanta, mas logo pede que seja breve porque está dando ponto no doce de abóbora que largou apurando no fogo. O olhar, a risada escândalos e a alegria de viver associam determinantemente Fatinha a Bastiana.

Como distingui-las? Esse é o mal de todo ator de personagem marcante. Um dia o personagem tenta suplantar o seu interprete. Por causa disso, certa vez Fatinha quis matar Bastiana. E foi um trupé! Coisas do tipo Ney Latorraca matando Barbosa da TV Pirata. Bastiana, em sua possível morte, alegou querer ir para o Cemitério São João Batista, porque lá tinha movimento, passava desfile, tinha a Polícia do lado e um bar na esquina, e que para outro cemitério não iria NEM MORTA!

Pois não é que Fatinha matou mesmo a Bastiana! E com aquele corpo inerte dentro de uma rede, o cortejo fúnebre comoveu a todos e foi seguindo. Diante do impasse quanto aos cemitérios, resolveram jogar o corpo no rio Paraguai. Do alto da ponte, em prantos, arremessaram Bastiana. Pois num é que a rede se mexeu e de lá, Bastiana, VIVINHA, tirou uma ponta e depois do mergulho profundo no rio, nadou, virou pra ponte e gritou:

-Ela não me mata!

Não adiante, Bastiana é do povo! E Fatinha é vitoriosa na vida, porque transformou uma frustrada perspectiva de futuro em sorrisos no rosto das pessoas. É genial essa cretina!

 

por Guilherme Vargas

Cronista, poeta, professor

 

 

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